GULAS@ENEKO

Revisitar a imponência do Alcântara Café e perceber que um espaço emblemático da cidade de Lisboa conseguiu superar-se a si mesmo, é muito reconfortante.
Mesmo sendo um gringo a fazê-lo, Eneko Atxa não é um gringo qualquer. E fez encaixar como uma luva de plica o monumental da arquitectura no colossal da gastronomia.

A GULA
A escolha entre 2 menus recaiu para o mais completo: Menu Adarrak (€177/pax) com 10 momentos mais inclinados para a variedade da guelra e marisco que para as carnes. Melhor ainda. 

E foi desses mares que vieram os dois momentos estrela que mais fizeram castanholas das minhas pupilas gustativas.
A tartelete de atum e caviar era um mergulho no oceano. Uma frescura e salinidade envolventes com o atum a dar textura ao caviar e este, na simbiose, a dar intensidade salinica ao tunídeo. O apontamento final surge nas 2 tarteletes encaixadas uma na outra que exponenciaram a crocância deste prato ao quadrado. 
Os camarões da costa em essência de ervas é um prato que à primeira vista fazia antecipar leveza. 5 micro camarões descascados e crus que se apresentavam a nadar num jus de verde vivo. O vinho branco Txakoli Girka Izaguirre G22 (€45) que harmonizou toda a refeição não chegou aos pés da untuosidade destes camarões. 
Mesmo com a sua acidez que ajustava muita da intensidade do prato, o conjunto dos camarões derrotou completamente qualquer tentativa de anulação acídica. Ficou o unto agarrado à garganta como um pano de veludo a passar-me pelas costas despidas de forma suave e compassada. Um mimo prolongado que não quis que acabasse. 
Menção honrosa para mais 2 pratos com muita personalidade. A horta gelada, um granizado de água de tomate com um creme da sua polpa que fez explodir de frescura todas as outras verduras e flores que o acompanhavam. 

Leve mas seguro de si e uma surpresa de sabor que poucos pratos vegetarianos que se apresentam com uma parca conceção conseguem atingir. Por último, um prato cuja apresentação me levou às florestas da Amazónia, pela vegetação luxuriante exclusiva a um leque de folhas de citrinos que envolvia duas meias limas. Essas meias limas foram recheadas com foie gras e encimafas com caramelo de Lima. O equilíbrio entre a densidade do foie gras e a acidez dos cítricos era sublime. Textura cremosa de ambas as camadas e pujança no sabor que se manteve enfático e viciante. Só me fez lamentar que a iguaria não viesse numa laranja do Algarve. Porque teria mais 3 colheradas extra deste sonho gastronómico. 

A GULOSEIMA 
O prato emblemático do Eneko Atxa: A gema de ovo trufada. Na gema é injectado um creme com trufa espessado por amido de milho. 
Este creme é inserido na gema de ovo à escaldar, com recurso a uma boa injeção. Uma ampulheta define o tempo exato que o creme demora a cozinhar a gema de dentro para fora. Ficou firme e dividida entre o amarelo e o castanho. Um prato de autor com uma mise en scene que dá à experiência um suspense de roer as unhas achando que a gema se ia partir e toda a composição desmoronava. Fatalismo que nunca chegou.
O lavagante com jus de pimentos na brasa foi também uma ciência exata de equilíbrio, empratamento e sabor. O lavagante é sujeito a um SPA holístico sendo assado e descascado. O lombo acompanha com cebolinha vermelhas de Zalla e espuma de manteiga de café. 
O lavagante estava ligeiramente assado para o meu gosto que é médio mal em tudo o que me cai no prato mas mesmo nessa condição foi digno da batuta. 
O GULAG
Algum tempo de espera entre a entrada no restaurante e o sentar à mesa. Isto porque à entrada se desvenda uma primeira experiência. Um piquenique basco acompanhado de um Txakoli, beberagem igualmente basca. 
Mas entre a chegada ao lobby onde se desenrolou a experiência e o chegar do cesto do piquenique mediaram 10 minutos em que eu parecia um leão numa jaula. A excitação da chegada e a expectativa da primeira prova deram-me alguma ansiedade mas mesmo essa atenuante não mitiga demasiado tempo de espera num espaço fechado sem qualquer acompanhamento que, a este nível de serviço, é sofrível e pouco tolerável. 
Nessa nervoseira, acabei por comer um amuse bouche que lá estava plantado na zona do piquenique e que seria para comer mais tarde. Simpatia do chef que trouxe um 2o acepipe para que eu o pudesse degustar na companhia da minha parelha. 
No serviço de mesa, alguns automatismos na explicação dos pratos tornaram a experiência pouco sedutora e algo robótica. Pedia-se mais emoção ou no limite um bocadinho de narrativa. Todos gostam de uma boa história, mesmo que ficcional. 
Reta final com café de cápsula (€4) mas que podia ser moído na hora, caso preferisse (a valor extra) e um chá (€6) fecharam a consulta de mesa. Valor justo para um Michelin (*), cerca de €205 euros por pessoa.
Eneko tem personalidade, tem excelência e tem uma forma de trabalhar a matéria prima muito própria. A experiência basca em Lisboa fez mossa. Porque agora gostava de provar o Eneko Tokio e o Eneko em Larrabetzu, na Bizkaia de Espanha para ter a certeza que este chef merece mais um Macarron para o seu projeto português. Desejos...

@gulasdosardinha
Gulasdosardinha.blogspot.com

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