Gulas@CURA

Cura tem alma. Tem ambiente. Tem sofisticação. Tem inovação na cozinha. O restaurante está à altura das expectativas de um Ritz, que lhe dá guarida, e Pedro Pena Bastos à altura de superar o seu último projeto - o Ceia - e continuar a dar personalidade e entusiasmo à sua cozinha. 
Mas falta sempre alguma coisa... Pequena, ínfima, mas que este caso foi evidente. Sem mácula, é um dente em falta na engrenagem complexa de um relógio suíço.
A GULA
Pedro Pena Bastos tem a estaleca de um chefe no verve da descoberta. Qual alazão que corre sem barreiras porque essa é a sua vontade. 
E essa vontade, aliada a um patrono que é uma referência na hotelaria de luxo mundial, dá ao Pedro o combustível para não se fechar numa caixa de axiomas de rentabilidade ou de cartilhas gastas sobre fórmulas de sucesso da restauração mas outrossim trilhar o seu caminho sem preconceitos nem Tábuas da Lei.
Existe uma linha forte na técnica que o Pedro aplica aos peixes e nas combinações que lhes oferece. Boas GULAS para o Lirio esferizado com cenoura, à lula com avelã, bergamota e caviar e à coalhada de alho com enguia, gamba rosa e as exclusivas ervilhas lágrima de Guipuzcoa, na costa do país vizinho.
A GULOSEIMA 
A harmonização foi sublime. Um pairing de 6 vinhos incluindo um licoroso no remate açucarado. 
6 excelentes escolhas, eclética nas regiões, passando pelos Açores, Minho, Beira, Setúbal e Douro. Fico no limbo se o San Joanne Terroir Mineral 2016 - Vinho Verde, que aparentemente estava em falta na garrafeira e foi substituído por um Maria de Lourdes Douro 2020, poderia ter casado melhor com os primeiros pratos mas estou convencido que a Gabriela Marques, a Sommelier deste projeto, esteve altura das suas escolhas. 
O GULAG
Num projeto como este, pede-se excelência em toda a linha. Da cozinha à sala, do bengaleiro à casa de banho, do prato da manteiga ao prato da consulta de mesa. 
Neste caso, Mário Marques, chefe de sala e por isso responsável por toda a linha da frente, merece este Gulag. Uma equipa robótica, sem ânimo nas narrativas e na explicação dos momentos, alguns esquecimentos e alguma frieza na receção inicial pela públic relations que nos encaminhou à mesa e, acima de tudo, por alguma falta de empatia e compreensão em alguns dos pedidos que fizemos. 
Sinto falta de bom senso quando me indicam que tenho que comer o mesmo Menu que a minha companhia só porque estou na mesma mesa. Se estivesse na mesa ao lado já podia fazê-lo. Que tenho que comer o Menu Raízes (7 momentos) porque a minha parelha é Vegetariana quando quero o menu Origens (12 momentos) , com peixe e carne. 
Porque a public relations que nos recebeu e acompanhou à mesa nos indicou que até poderíamos pedir um Menu Raízes e um Menu Origens mas tínhamos que pagar 2 Menus Origens quando mais tarde nos apercebemos que afinal foi uma descoordenação e também isso não era possível. Num projeto a este nível é pouco compreensivo que situações destas aconteçam. Numa experiência que deve ser centrada no cliente e na experiência e  acabamos por perceber que no Cura a experiência se centra na cozinha e os comensais orbitam à volta de critérios de logística, de gestão de stocks e de tempos de preparação e serviço. Sei que existem restaurantes estrelados que também têm este conceito. Estou curioso em perceber se lidam com essa situação da maneira pouco razoável e empática como o fizeram no nosso caso. 
Contudo, nem essa situação desagradável me tirou a convicção que é um restaurante que merece com justiça o Macarron que conquistou com apenas um ano de projeto, o que é assinalável, e de que a Pedro Pena Bastos é um chef que fará parte da história e das estórias da alta cozinha lusitana.

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