Gulas@THE_YEATMAN

O Porto é sinónimo de Portugalidade. 
Porto Cale era o centro deste pedacinho de terra que lentamente conquistámos aos vizinhos do lado - os Castelhanos Leoneses - e aos vizinhos do Sul - Os Muçulmanos Infiéis. 

Como refere Luís de Camões, esta é a leal cidade de onde teve origem (e fama) o nome eterno de Portugal e onde, tal como nos dias de hoje, viviam prósperas famílias britânicas.

A família Yeatman não tinha casa no Algarve e trocou o turismo balnear pelo comércio de Vinho do Porto. Em meados do século XIX, era considerada uma das mais distintas e empreendedoras famílias produtoras de Vinho do Porto. 

Daí aos hotéis e restaurantes de luxo e lojas de souvenirs foi um saltinho. Em 2010, surgiu o The Yeatman, cheio de vontade de galgar as margens do Douro e inundar o cais de Gaia com British Decor e Macarrons Michelin. 

Hoje, atiro-me de corpo e alma a partilhar convosco a diferença entre:

1) Restaurantes que passam de zero para 1 Estrela Michelin, trocados por miúdos.

2) Restaurantes que passam de 1 para 2 Estrelas Michelin, trocados por miúdos.

(Não, não tenho um ponto (3) porque não é habitual comer fora (de fronteiras) e por isso 3 estrelas para mim só olhando para o céu!)

Nota prévia do "trocado por miúdos": Há cinco critérios de avaliação reconhecidos publicamente para atribuição dos "Macarrons" Michelin. Quero não só evitá-los como trocá-los, neste exercício, por critérios mais empíricos e espirituosos ou estaria a escrever mais um texto jornalístico como tantos que por aí andam. Isto é uma "opinação gastronómica" e os critérios são dela recorrentes i.e: vem da minha experiência.

Critérios Michelin:

1) Qualidade dos produtos
2) Domínio do sabor e técnicas culinárias
3) Personalidade do chef na sua cozinha
4) Relação qualidade/preço
5) Consistência entre visitas

Critérios MICHELÃO:
(como são o superlativo absoluto sintético, têm designações mais pomposas!)

1) Alinhamento com o Gourmet Rural
2) Índice Pele de Galinha
3) Taxa de Paciência
4) Consistência do Oráculo
5) Risco de Default

Numa perspectiva simplista, passa de ZERO PARA UMA ESTRELA quem cumpre todos os critérios Michelin acima, nos mínimos que eles consideram olímpicos. Alguns mais vaporosos que outros (e discutíveis) mas conseguimos engolir isso.

Passa de UMA PARA DUAS ESTRELAS quem cumpre os critérios Michelin e ainda tem um conceito vincado, cheio de carácter e tão característico que não preciso de abrir os olhos para saber em que restaurante estou.

Passar de DUAS PARA TRÊS ESTRELAS?
Peço a alguém que me ajude. Mas desconfio que mete ficção científica pelo meio...

Agora vou tentar encaixar o THE YEATMAN nos Critérios MICHELÃO, fruto da minha experiência:

ALINHAMENTO COM O GOURMET RURAL
O Gourmet Rural, como o nome indica, gosta de comer bem. Mas gosta também de perceber aquilo que lhe metem à frente. Gosta do ingrediente pelo ingrediente. Se tem molho, quer é saber o que leva, se é cozinhado a baixa, media, alta temperatura ou a vácuo, quer é saber se é cozido, grelhado ou estufado. Ponto. O Gourmet Rural é o português que sabe comer bem, tem acesso à qualidade de produto e é isso que encontramos no seu frigorífico e congelador. Seja barato ou caro. Mas é também o português que sabe que todos gostamos de aviar 4 dúzias de sardinhas a cada fim de semana de Verão mas se assim for, acabamos todos sem sardinhas em poucas décadas. Por isso advoga em alternar sardinha pelo bom carapau, sarda, cavala, ferreira, besugo, sargo, anchova e até taínha que as há bem boas. O Gourmet Rural está nos antípodas da cozinha francesa clássica mas se for preciso come e aprecia porque também ela é saborosa. Mas faz-lhe espécie não conseguir perceber puto do que lá está, tal é a quantidade de molhos, pontos de cozedura, reduções e ervas aromáticas. Simplesmente prefere algo mais simples, (passo o pleonasmo).

THE YEATMAN
Transpira sazonalidade, portugalidade e autenticidade. Da estupenda ostra com creme de maçã verde à gulosa vieira com caviar, do waffle de choco com tinta ao caranguejo de casca mole, uma celebração à diversidade e riqueza da costa atlântica. Apontamento para as camarinhas, una baga que só achava que existia na memória e histórias dos meus familiares que as apanhavam em Tróia. Um achado. 

ÍNDICE PELE DE GALINHA
Independente da temperatura da sala, que pode dar uma resposta fisiológica inata: frio dá pele de galinha, calor dá gotas de suor no cachaço, aqui, a pele de galinha é um tal estado de alma que ao atingir o Zénite, após a primeira garfada (só vale a primeira), dispara uma resposta hormonal de elevada excitação que se reflete em pupilas dilatadas, salivação intensa, encartilhanço dos dedos mindinhos dos pés e, claro... pele de galinha.
THE YEATMAN
Comer um caranguejo da cabeça aos pés com ar de navalheira e sentir a casca explodir no meio da dentição é algo a que não estamos preparados. A pelagem do bacorinho ser mais crocante que uma pala-pala mantendo tenro e sumarento o interior é uma prerrogativa que muito me fez pensar nessa noite. Porque imaginava-me a comer tudo de novo no dia seguinte ao pequeno almoço (se não pagasse mais contas nesse mês). 

TAXA DE PACIÊNCIA
Aqui saímos da cozinha e centramo-nos no serviço. Uma componente que se torna tão mais importante quanto sofisticada é a cozinha de um restaurante. Na Tasca da Marreca, em Burrunhais de Cima, o prato vem para a mesa e a única coisa que considero perguntar (e ter algum feedback do empregado) é se tem piri-piri e se sim, se é daqueles que levanta um morto ou dos que só fazem cócegas no céu da boca. Num restaurante de autor, com a personalidade que deverá ter, vou perguntar 100 x mais coisas e espero igual nível de paciencia do dedicado empregado de mesa, como espero da Marreca em descrever o seu piri-piri.

THE YEATMAN
Pedro Marques e a sua equipa de sala foram incansáveis a explicar pratos, vinhos, como se batem claras em castelo ou dar umas dicas de restaurantes en Aveiro onde seria a nossa próxima paragem. Presente, mas em modo camuflado, ausente mas à distância de um suspiro. Assim se faz um bom chefe de sala e a sua equipa de ninjas do serviço de excelência. 

CONSISTÊNCIA DO ORÁCULO
Mantemos as agulhas no serviço. E de quão profissional, dedicado e apaixonante ele pode ser. Aqui premeia-se a honestidade em detrimento da chica-espertice, o conhecimento acima da sabedoria popular (que vale noutros casos). Se pergunto ao empregado porque está o meu peixe grelhado como o faria o Diabo no inferno e ele me diz que aqui na casa grelhamos o peixe assim... Ou se posso acompanhar o bitoque com arroz em vez de batata frita e ele me diz que nao têm arroz, fico pior que estragado. Ou como me disseram no outro dia quando já estávamos a comer as pizzas e o pão de alho de entrada ainda não tinha chegado: - Desculpe mas o nosso pão de alho é uma receita que demora muito tempo a fazer. PelamordeDeus... Mas há quem vá mais longe e me diga, como me disseram num boteco da Nazaré, que o peixe - que jurei a pés juntos não ser fresco - é fresco sim senhor porque ainda o descongelámos esta manhã!

THE YEATMAN 
Mais uma prova de que a equipa de sala do Yeatman tem poderes sobrenaturais. Porque da mignone imigrante francesa ao camareiro com cara de miúdo, todos pareciam saber fazer e explicar qualquer prato que saísse daquela cozinha e desconfio que até o saberiam reinterpretar à sua maneira. E nesse caso, rezo para que essa multiplicação de saberes pudesse ter consequências. A abertura de mais uns Yeatmans espalhados por este país fora, por exemplo. Que ideia tão suculenta... 

Mas nesse êxtase todo e na disponibilidade total para ficarmos à mesa o dia inteiro a massajar os sentidos, passamos para o último criterio "Michelão", o RISCO DE DEFAULT.
Aqui podiam encaixar os conceitos de Share of Wallet, Value for Money ou Preço Psicológico. Ou ainda a relação Qualidade/Preço que se torna tão difícil de avaliar quão etéreo é o conceito de qualidade para cada um de nós. Já o preço, esse é bem real e os restaurantes devem respeitar o comensal com base nele porque há aí muita falta de respeito e de senso a colocar preços nas cartas. Valores absurdos por doses nanoscópicas só porque o restaurante tem hype ou é estrelado ou por menus de degustação que consideram ser dignos de Bacco quando na realidade são uma miscelânea de pratos sem qualquer critério, ordem ou narrativa. Só conheci um resturante na minha curta vida em que o preço praticado é infinitamente menor que a minha percepção de qualidade (em Lisboa...) e chama-se Grelhados de Alcântara. Apareçam lá e tirem as vossas ilações (passo a publicidade).

THE YEATMAN 
O risco de default tem presente um segredo de Polichinelo: Aumento Estrelas Michelin atenua a sensação de bancarrota. A experiência sensorial é entranhada em todas as células táctieis, olfactivas e gustativas existentes no nosso corpo.. E permitem alcancar "êxtases" gastronómicos (para não dizer outra coisa...) que nos dão a convicção de que não estamos a pagar por uma refeição mas por uma vereda surpreendente ao mundo da alta cozinha. E isso tem um preço. No nosso caso 400 euros pelo menu de 7 momentos (7 e picos, porque há sempre umas magias fugazes pelo meio).
No final, uma clara incerteza de até onde poderá ascender esta estrela da cozinha portuguesa nas mãos do Ricardo. As minhas fichas dizem-me que tem condições para que não hajam duas sem três. 

Cruzo os dedos para que o seja (os três!).

@gulasdosardinha

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